As fotografias aqui reproduzidas são propriedade do Ministério da Administração e do Território (MAT), liderado por Bornito de Sousa.
Por Pedrowski Teca
Por que razão afirmo que as mesmas resumem o fraudulento processo eleitoral em Angola, ou precisamente a usurpação dos poderes da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) pelo Executivo, por intermédio do MAT?
Veja-se. Foram tiradas na quinta-feira, 25 de Agosto de 2016, por ocasião da abertura oficial do Registo Eleitoral Oficioso, pelo presidente da República, José Eduardo dos Santos.
Em verdade, as fotografias não trazem nada de novo, se não uma hierarquia orquestrada estratégica e sistematicamente pelo cavalo de Tróia do Executivo angolano, o Ministério da Administração do Território, através da “Lei do Registo Eleitoral Oficioso”.
No lançamento do processo do Registo Eleitoral, em termos protocolares, figuraram-se na linha da frente, o ministro Bornito de Sousa, o vice-presidente da República Manuel Vicente, o presidente da República José Eduardo dos Santos, a primeira-dama da República Ana Paula dos Santos, o presidente da Assembleia Nacional Fernando da Piedade Dias dos Santos, o presidente do Tribunal Constitucional Rui Ferreira e o governador da cidade de Luanda Higino Carneiro.
Na segunda linha estavam sentados o ministro do Estado e chefe da Casa Civil do presidente da República, o general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, e o seu elenco, formando um cordão de segurança para os dirigentes acima mencionados?
Sendo um evento eleitoral, onde esteve o presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), o juiz André da Silva Neto? Acredito que o mesmo esteve a rir para não chorar porque não mereceu o destaque merecido, num acto que confirmou, mais uma vez, o esvaziar dos poderes da CNE pelo MAT.
Conforme demonstra a fotografia, o presidente da CNE, André da Silva Neto, esteve na terceira fila de cadeiras, isto é, exactamente por detrás do cordão de segurança formado pelo general Kopelipa e seu elenco.
E como a fotografia não mente, demonstrou a realidade crua e nua do processo eleitoral, tendo apresentado o presidente do maior partido político da oposição, Isaías Samakuva, e outros políticos opositores, sentados na quarta fila, por detrás do presidente da CNE.
Portanto, o propositado e essencial à esta crítica, é o protocolo das entidades neste acto inaugural do Registo Eleitoral. Na lógica e legitimidade, e pela transparência e independência da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), o presidente da CNE, André da Silva Neto, devia merecer o destaque óbvio e natural no processo.
Diante de André da Silva Neto, todos os líderes partidários devem ser encarados como concorrentes e ao mesmo nível nesta jogada política.
Em fim, poderia até afirmar que o André não é tido e nem achado, mas para o abono à verdade, ele é tido e achado lá ao fundo da sala, como mero observador do processo que devia ser dirigido pela CNE.
A Lei do Registo Eleitoral Oficioso
A Lei do Registo Eleitoral Oficioso foi uma proposta do Executivo de José Eduardo dos Santos, por intermédio do Bornito de Sousa do MAT.
Recentemente, numa conferência de imprensa, o presidente da UNITA, Isaías Samakuva, descreveu a Lei do Registo Eleitoral Oficioso como uma ferramenta criada para o governo intrometer-se no processo eleitoral para poder invalidar ou anular alguns dos registos já feitos e controlar as eleições.
“O termo Registo Oficioso só se aplica aos novos registos depois de 2011. Os registos feitos antes de 2011, estão válidos e não deviam ser perturbados. São cerca de 9.800.000 registos. Se as residências estão ou não actuais, é assunto que a CNE deve resolver, e não o Governo, porque é a CNE que organiza a eleição”, disse Samakuva.
Samakuva explicou que a lei que o governo concebeu para o efeito, chama-se “Lei do Registo Eleitoral Oficioso”, mas afinal, o que ela regula é o registo presencial.
“O termo oficioso é só para enganar. A prova de vida não pode ser oficiosa. Ninguém faz prova de vida se não estiver fisicamente presente. Mais de 80% da lei regula o registo eleitoral presencial. E esta competência é da CNE. Portanto, somos obrigados a perguntar de novo, porque é que o Governo quer ser ele a conduzir este trabalho? A única conclusão que tiramos, é mais uma vez que o Governo não está de boa fé e que a prova de vida é um artifício”.
CNE é mera observadora
Oartigo 57.º da Lei nº 8/15 estabelece que a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) é uma entidade observadora no processo do Registo Eleitoral Oficioso, ou especificamente: “o regime jurídico do registo eleitoral estabelecido pela Lei nº 8/15 (Lei do Registo Eleitoral Oficioso), com destaque para o regime jurídico da supervisão do processo de registo presencial, referido no seu artigo 57.º, no contexto da organização e condução dos processos eleitorais”.
Confrontados com essa triste realidade, há cerca de um mês, mais de 800 comissários da CNE escreveram à Assembleia Nacional para esclarecer se a supervisão a que se refere o artigo, responde efectivamente ao sentido da supervisão que o legislador ordinário espera que a entidade supervisora exerça.
Os comissários acharam que os poderes de fiscalização da CNE são mais amplos porque a lei coloca a CNE acima da entidade registadora, concluindo que a CNE é a entidade supervisora e o governo é a entidade supervisionada.
Consequentemente, segundo o portal Club-k, o presidente da CNE, o juiz André da Silva Neto recebeu orientações da Casa Militar do presidente da República, para realizar um inquérito contra os comissários que em Julho passado questionaram dúvidas à Assembleia Nacional, quanto aos poderes deste organismo que têm sido usurpados pelo governo, através do Ministério da Administração e do Territorial.
Em audiências que começaram na terça-feira, 23 de Agosto, a CNE começou a ouvir as centenas de comissários eleitorais, a todos os níveis, isto é, municipais, provinciais e nacionais, eleitos por todos os partidos representados no Parlamento.
Os subscritores da petição defendem que a CNE é um órgão “independente do poder executivo, não integrado na administração directa e indirecta do Estado, a quem incumbe organizar, executar, coordenar e conduzir os processos eleitorais para a eleição do Presidente da República e dos Deputados à Assembleia Nacional”.
“Por isso mesmo, os comissários eleitorais, que organizam e executam o registo eleitoral, a votação e o escrutínio, estão impedidos de exercer o cargo de Presidente da República, Ministro ou Administrador Municipal. De igual modo, o Presidente da República, os Ministros e os Administradores Municipais estão impedidos de agir como comissários eleitorais, executando actos eleitorais”, justificam.
Os subscritores acrescentam que “sendo certo que, nos termos dos princípios constitucionais da reserva da Constituição e da supremacia da Constituição (artigos 117.º e 6º da CRA), a lei ordinária não pode atribuir ao órgão Presidente da República, directa ou indirectamente, competências que a CRA não atribui; e que os actos dos entes públicos só são válidos se forem conformes à Constituição”.
“Não constituirá a atribuição dessa competência à administração central e seus órgãos desconcentrados (artigos 14.º, 22.º, 24.º, 25.º, 28.º, 53.º, 55.º e 58.º, 69.º e 70.º da Lei n.º 8/15) uma ofensa aos princípios da supremacia da Constituição, da administração eleitoral e da reserva da Constituição consagrados nos artigos 6.º, 107 e 117 da CRA?” – questionam os comissários. E, “Tendo jurado ser fiel à Pátria e obedecer apenas à Constituição, como podemos nós, agentes eleitorais investidos de poderes públicos, garantir que os actos eleitorais a serem executados por quem não tem competência constitucional para o fazer são válidos e que o exercício do poder político dele resultante é válido e legitimo nos termos dos artigos 4º e 6º da CRA?” – questionam os subscritores.